Estratégias que Funcionam: Como a Economia Comportamental Pode Revolucionar a Recuperação de Dívidas

A segmentação tradicional de dívidas, baseada exclusivamente em critérios como valor devido e faixa de atraso, tem sido amplamente utilizada pelas empresas para gerenciar suas carteiras de inadimplência. No entanto, essa abordagem foca mais nas características da dívida do que nas particularidades do cliente, resultando, muitas vezes, em estratégias de cobrança menos eficazes. Para aprimorar os resultados, é essencial adotar uma perspectiva centrada no cliente, considerando seus comportamentos, atitudes e situações financeiras específicas. Além disso, recorrer a elementos que influenciam o comportamento, como os nudges, pode transformar a forma de comunicação com cada tipo de cliente.

ECONOMIA COMPORTAMENTALREGULARIZAÇÃO DE DÍVIDAS

Nádia Lanny Lopes

12/5/20243 min ler

Limitações da Segmentação Tradicional

Categorizar dívidas apenas por valor e tempo de atraso oferece uma visão limitada da realidade do devedor. Essa abordagem desconsidera fatores comportamentais e contextuais que influenciam a capacidade e a disposição do cliente em efetuar o pagamento. Por exemplo, dois clientes com dívidas de mesmo valor e período de atraso podem ter motivações e obstáculos completamente diferentes que afetam suas possibilidades de quitação.

Além disso, essa segmentação homogênea leva frequentemente à aplicação de estratégias padronizadas de cobrança, ignorando as nuances individuais de cada devedor. Isso não apenas reduz a eficácia das ações de recuperação, mas também pode comprometer o relacionamento com o cliente, prejudicando futuras interações comerciais.

Estamos falando de pessoas, de seres humanos — Homo economicus. Dito isso, faz sentido que as estratégias sejam baseadas apenas nas características da dívida? Não seria mais produtivo considerar as particularidades de quem está por trás dela?

A Importância de uma Abordagem Centrada no Cliente

Uma estratégia de cobrança eficaz deve priorizar o cliente, compreendendo suas necessidades, comportamentos e circunstâncias específicas. Ao adotar uma abordagem centrada no cliente, as empresas podem desenvolver soluções personalizadas que aumentam a probabilidade de recuperação da dívida e fortalecem o relacionamento com o consumidor.

Por exemplo, ao identificar que um cliente enfrenta dificuldades financeiras temporárias, a empresa pode oferecer opções de parcelamento ou prorrogação de prazos, demonstrando empatia e flexibilidade. Essa personalização não apenas facilita a quitação da dívida, mas também promove a lealdade do cliente à marca.

Evidências de Estudos Recentes

Durante minha trajetória, sempre considerei duas dimensões fundamentais: disposição para pagar, ligada ao caráter, e capacidade de pagamento, relacionada à disponibilidade de recursos. No entanto, o estudo Personalized Communication Strategies: Towards A New Debtor Typology Framework ampliou essa visão, propondo uma nova estrutura de tipologia de devedores baseada em quatro dimensões comportamentais:

  1. Disposição para pagar (willingness to pay): Reflete a intenção ou vontade do devedor de quitar suas dívidas.

    • Disposto (Willing - W) versus Desafiante (Defiant - D).

  2. Capacidade de pagamento (ability to pay): Indica os recursos financeiros disponíveis para efetuar o pagamento.

    • Capaz (Able - A) versus Insolvente (Insolvent - I).

  3. Organização financeira (financial organization): Avalia o nível de controle e planejamento das finanças pessoais do devedor.

    • Organizado (Organized - O) versus Caótico (Chaotic - C).

  4. Comportamento racional (rational behavior): Mede a abordagem lógica e objetiva do devedor na gestão de suas finanças.

    • Racional (Rational - R) versus Emocional (Emotional - E).

Combinando essas dimensões, os pesquisadores identificaram 16 tipologias distintas de devedores. Cada uma representa uma combinação única, permitindo uma compreensão mais profunda dos comportamentos e necessidades individuais dos clientes.

Distribuição das Tipologias

No estudo, a análise da distribuição dos devedores revelou cinco tipologias principais que representam 63% dos casos:

  1. DICE (Desafiador, Insolvente, Caótico, Emocional): Resistentes a qualquer solução de pagamento, frequentemente em situações financeiras graves.

  2. WAOE (Disposto, Capaz, Organizado, Emocional): Dispostos a pagar, com maior capacidade financeira, mas comunicação às vezes errática.

  3. WACE (Disposto, Capaz, Caótico, Emocional): Motivados, porém desorganizados e inconsistentes em cumprir acordos.

  4. WAOR (Disposto, Capaz, Organizado, Racional): Pagadores confiáveis, que reagem bem a incentivos financeiros claros.

  5. DICR (Desafiador, Insolvente, Caótico, Racional): Resistentes e com histórico de dívidas acumuladas, priorizando decisões racionais.

Implementando Estratégias Centradas no Cliente

Para transformar a abordagem de cobrança, as empresas devem:

  1. Coletar e Analisar Dados Comportamentais: Usar ferramentas analíticas para compreender os padrões e preferências dos clientes.

  2. Desenvolver Perfis de Clientes: Criar segmentações baseadas nas dimensões comportamentais, indo além do valor e atraso da dívida.

  3. Personalizar a Comunicação: Adaptar o conteúdo, o tom e o timing das mensagens, utilizando nudges para aumentar a relevância.

  4. Oferecer Soluções Flexíveis: Propor alternativas que atendam às necessidades específicas de cada cliente.

  5. Monitorar e Ajustar Estratégias: Avaliar continuamente os resultados e otimizar as abordagens.

Conclusão

A segmentação tradicional, ao focar na dívida em vez do cliente, limita a eficácia das estratégias de cobrança. Incorporar uma abordagem centrada no cliente, considerando dimensões comportamentais e financeiras, permite desenvolver estratégias mais eficazes e empáticas. Isso não apenas melhora as taxas de recuperação, mas também fortalece o relacionamento com os clientes a longo prazo.

O futuro da cobrança está em compreender as pessoas, suas motivações e comportamentos. Como o estudo demonstra, é hora de repensar estratégias tradicionais e abraçar uma abordagem que combine dados, empatia e inovação.

Referência

DOEVENSPECK, M.; VAN DONGEN, E. Personalized Communication Strategies: Towards a New Debtor Typology Framework. arXiv, 2021. Disponível em: https://arxiv.org/pdf/2106.01952. Acesso em: 05 de dezembro de 2024.